Veteranos aplicam trote agressivo para se autoafirmarem
26/2/2009
Compartilhe
Opinião: Veteranos aplicam trote agressivo para se autoafirmarem
Situação acontece em grupo, em que a responsabilidade acaba diluída.
Se o 'bixo' fosse visto como pessoa, os trotes seriam menos violentos.
A vida universitária costuma ser bastante atrativa para os jovens. Buscam nela a certeza de que estão crescendo e se tornando adultos. Ter e seguir uma profissão lhes garantem isso. Um dos atrativos é morar fora, como comentamos na semana passada, que é um claro sinal de autonomia.
Quanta coisa para comemorar. Porém, nem todos estão festejando. Alguns têm chorado e desistido de um sonho. E muito por causa do ritual comum na entrada das faculdades - o trote.
Os trotes são desejados por muitos daqueles que querem estar na faculdade. Não se importam de se sujeitar a certas brincadeiras, mesmo que um pouco humilhantes. De tão felizes com a nova situação, querem o pacote completo. Participar deles é uma maneira de se sentirem crescendo.
Esse ritual é bastante antigo. Começou na Idade Média e continua até hoje. Tão antigas quanto seus registros são suas características de violência e humilhação, como temos visto hoje em nossas universidades.
E é algo interessante de se notar, pois, apesar de todo o avanço tecnológico e na área da pesquisa, algumas coisas ficaram paradas na Idade Média. E, por incrível que pareça, num lugar de excelência do saber e do pensar.
Não se foge de sua natureza. O homem tem na dele a agressividade. Alguns conseguem lidar com ela sem ter que fazer com que se expresse em suas ações, usando-a inclusive de modo a impulsionar seu crescimento pessoal, sem ferir ninguém.
Outros já não conseguem e a deixam sair por qualquer coisa, qualquer motivo. Há aqueles que não se dão conta dela e, ao encontrarem uma situação propícia, atuam sua agressividade, como no caso dos trotes.
Lá, vê-se a humilhação, a ridicularização, o espancamento e outras coisas. Ocultado pelo grupo e pelo seu caráter "oficial", tradicionalmente, os veteranos humilham os "bixos".
É mais fácil essas coisas acontecerem numa situação de grupo, como se um evocasse no outro o mesmo desejo, que provavelmente já existe. A ação pessoal acaba por se diluir com a do grupo e ninguém é o responsável.
Caráter agressivo
Provavelmente seu caráter mais agressivo é encontrado naqueles que querem exercer o poder como forma de se afirmarem. Nada como fazê-lo com alguém vulnerável como o calouro. Esse, por sua vez, está entrando num território desconhecido e quer se enquadrar o mais rápido que puder.
E é encontrado também naqueles mais vingativos. Vingam as agressões que sofreram quando ainda eram 'bixos'. Esquecem-se de se colocarem no lugar do outro e de vê-lo como pessoa. Se isso fosse possível, teríamos trotes menos violentos.
E, nessa de poder e vingança, perdem a noção da realidade. Pensam estar no controle das coisas e que nada de ruim acontecerá. Só que não é bem assim. É apenas uma brincadeira, dirão alguns, que às vezes se transforma em algo de mau gosto. Ou até em uma tragédia. O limite se perde no calor do momento.
Confraternização
Os trotes poderiam ser um bom momento de confraternização entre os estudantes. Em que os mais velhos e experientes pudessem ajudar os mais novos nessa passagem.
Há muito o que pensar sobre o assunto. Ainda o melhor caminho é prevenir que remediar. Depois que o trágico ocorre não tem mais volta. E esse é um trabalho para ser encarado pelas universidades, que terão que refletir muito com seus alunos sobre os trotes _não um pouquinho antes do início das aulas, mas de maneira constante.
(Ana Cássia Maturano é psicóloga e psicopedagoga)
Link: Clique aqui.